Vovô Juca do Quinca
 

               Hoje recebi de minha querida tia Naná (Zilná) a missão de ser o guardião dos óculos do meu avô Juca do Quinca (José Alves Barbosa). Fiquei imensamente feliz e emocionado com esta dádiva, que acompanhou o meu querido avô por muitos anos. Em sua memória e em agradecimento à honra a mim concedida, resolvi escrever um pouco sobre as recordações que me trouxeram este presente. Agora dia 23 de dezembro vai fazer 25 anos que ele deixou órfãos seus filhos, netos e bisnetos.

               O vovô era filho do casal Joaquim Alves Barbosa e Francisca Julia Santos, bisavós que infelizmente não cheguei a conhecer. Meu avô Juca do Quinca tinha fama de Coronel, ou seja, era muito bravo, respeitado e enérgico com filhos e empregados. Vovô foi fazendeiro por alguns anos, e me contou que uma chuva de pedra acabou com sua plantação de milho. Ele e seu irmão, Joaquim, chegaram a ser prefeitos da cidade de Pimenta, onde moraram por grande parte de suas vidas.
               Meu avô Juca também foi comerciante por vários anos na cidade de Pimenta. Papai era o seu caixeiro (funcionário, administrador e comprador da loja). Meu pai era para ser um dos melhores comerciantes da região! Porém, sua relação com o dono da loja o fez tomar antipatia de comércio. Mas não faz mal, meu pai se tornou um excelente dentista, relojoeiro, ourives, protético... assim como o seu pai é um homem de vários ofícios.
               A lembrança mais viva que tenho do meu avô é de vê-lo usando seus óculos de ouro de armação bem fina, chapéu de palha bem claro e sua famosa bengala (a qual ele a chamava de manguara). Posso me gabar de nunca ter levado uma "manguarada" dele; já os outros netos chegaram a levar algumas, só para assustar. Contam-me que eu fui o único neto que ele teve paciência de paparicar e levar com ele para vários passeios... Mas, ai de mim se o desobedecesse!
               No quintal do vovô tinha um enorme abacateiro, de onde ele tirava os abacates para fazer sabão. Mexia as tachadas por horas a fio e depois colocava a massa em caixotes para cortá-la em barras. Muitas vezes fomos juntos cortar capim no mato para fazer vassouras para varrer o forno à lenha, que era enorme! Ou então, eu é que era um catatau na época...
               Ele também sabia fazer colchões de capim e me explicava insistentemente que precisava ser feito de capim mumbeca! Era preciso colocar o capim para secar e depois ajeitá-los na horizontal, dentro da capa que ele costurava com uma agulha enorme. Esse aprendizado foi de enorme serventia para mim, imagine você quantos colchões eu não fiz? Só os fazia em meus sonhos, enquanto dormia neles!
               Estou aqui me lembrando de um hábito muito esquisito que o vovô Juca tinha... pelo menos eu assim achava naquela época... Depois de mais velho ele amarrava um pano na cabeça, igual a um lenço usado pelas quitandeiras, e dizia que era para espantar o frio e não pegar vento no ouvido e na cabeça. Só agora eu entendo de onde minhas tias tiraram que era preciso ficar esfriando na porta do banheiro por vários minutos depois do banho: Um risco muito grande de pegar constipação ou resfriado!
               Na casa do vovô Juca tinha uma trepadeira que eu nunca vi em outro lugar. Ela dava um fruto que ele chamava de “cará do ar”. Cozinhava aquilo e comia com melado, do jeito que ele adorava. E se fizéssemos estripulias na horta, corríamos o risco de tomar uma carazada na moleira.  
               Vovô Juca sempre reclamava para mim que estava passando da hora de morrer. Dizia que tinha tanta gente nova morrendo e que Deus não se lembrava dele: “da outra vez que o mundo acabou em água Deus escolheu Noé para semente, será que desta vez Ele vai escolher o José?”.
               São tantas as histórias do vovô... Um dia estávamos andando pela rua e um Sr. passou por nós e falou para o meu avó, se referindo a mim: “cuidado que esse menino tá dormindo em pé, vai acabar caindo”. Recordo como se fosse hoje, do meu avô e tias contar este fato para todo mundo!
               Lá na casa do vovô sempre tinham pessoas estranhas que o procuravam para que ele “rezasse nelas”. Com suas rezas ele curou vários males! Eu me lembro de algumas vezes esfregar alguma coisa na pele só para ela ficar bem irritada e eu ouvir a reza de “corta cobreiro” do vovô. Ela era mais ou menos assim: “Cobra ou cobrão, Sarda ou sardão, Sapo ou sapão. A tudo isso é que eu corto. Aqui te corto a cabeça, te corto no meio e o rabo. Santa Maria, Ave Maria, Santa Maria, Ave Maria”. E depois rezava algumas orações como “Pai nosso” e “ave Maria”. Eu fazia de tudo pra ver suas rezas! Até dores na barriga eu inventava; mas quando ele percebia que era mentira, rezava assim: “doa, doerá, não sendo em mim, que importa-me lá!” E, acabada a “reza”, dava uma boa risada!
               Como eu era menino na época que vovô Juca era vivo, eu não entendia porque ele não rezava pra acabar com sua manqueira. Quando perguntava isso a ele, vovô Juca ria e me dizia que sua reza só valia para curar as outras pessoas. Eu pensava que isso era uma injustiça! Ele também não conseguia curar suas dores de cabeça com reza não e, para tentar se livrar da dor, ele esfregava as mãos do começo para as pontas dos dedos e depois massageava as têmporas. Um hábito que ele criou e eu nunca me esqueci... como esfregava as mãos! E pensando nisso me recordei de mais um detalhe, vovô Juca não tinha a ponta do dedo médio esquerdo, ele a perdeu na batida de um monjolo enquanto era criança... chego a arrepiar com essa lembrança!
               Ah! Acabei de me lembrar de um cofre que meu avô tinha. Esse cofre era um grande enigma pra mim... Imaginava tanta coisa que vovô podia ter guardado lá dentro! Mas no final das contas, eu descobri que não tinha quase nada nele... E com essa descoberta foi-se minha primeira oportunidade de ficar rico! Perdi as contas de quantas vezes tentei abrir o cofre escondido dele... O engraçado é que a senha que ele me contava nunca dava certo!
               Como todo bom coronel, vovô Juca tinha uma garrucha muito antiga. Ele até deixava a gente brincar com ela um pouco, mas, logo, logo, ele “tornava” guardá-la dentro cofre. De acordo com meu avô, a garrucha era para matar o Broa e outras pessoas para quem ele emprestava dinheiro, mas nunca lhe pagava de volta.
               Resumindo, o vovô Juca era benzedeiro, carpinteiro, marceneiro e carapina; ser um faz-tudo era a sua sina. Ele construía todos os seus móveis, utensílios e ferramentas. Vovô Juca era dono de uma privilegiada inteligência, criatividade e fé, a qual contagiava as pessoas. Seus talentos ele passou para meu pai, que tentou passar para mim também.
               Meu avô, apesar de benzedeiro, estava longe de ser um santo. Eu mesmo já ouvi várias reclamações dos membros de sua família, e creio que eles tenham seus motivos. Algumas vezes eu ficava chateado de vê-lo desfazer de minha avó Chiquinha (briga de velho ranzinza) e, ainda bem, que esta foi a pior coisa que eu o vi fazendo! Mas também, meu bisavô Quinca não era lá muito “manso” nada... De acordo com meu pai, teve uma vez que vovô Juca, ainda menino, caiu do cavalo e ficou no chão gemendo, esperando pelo socorro de seu pai. Meu bisavô apeou do cavalo e chegou perto dele disparando: “Morre calado menino! Larga de ‘gemura’!”. Antigamente era assim, homem tinha que ser durão, “brabo”, e aguentar calado as dores da vida.
               Eu, meus irmãos e meus primos, sempre que chegávamos à casa do vovô Juca o encontrávamos nos esperando, com uma bacia cheia de cana caiana, “cascada” e picada para nos receber. Eu me lembro disso como se fosse hoje!
               As pessoas que me perdoem, mas para mim vovô Juca era um velho bonzinho, no máximo rabugento em determinadas situações. Foi ele quem deu ao meu pai a nossa primeira casa de morada. Vivia curando as pessoas com suas rezas, passeava comigo quando eu o pedia e tinha certa semelhança com o Papai Noel, pois sua casa era o palco anual dos encontros de toda a família no natal.  Tempo de muita alegria, comilanças e presentes, que ficou gravado nas mentes de todos os netos. Em outra oportunidade talvez conte com eram nossos natais, os quais, como diria vovô Juca, “que vira que torna, que torna que vira”, acontecia na cidade de Formiga. Estou sempre me lembrando dessa expressão que vovô usava para falar que as coisas acabavam acontecendo sucessivamente do mesmo jeito...

          Como tudo que acontece uma vez pode acontecer de novo, ganhei outros dois pertenses que fora de meu avô. Das tias Zenóbia e Zélia ganhei o chapéu e da tia Zilda ganhei a bengala.
          Saudades enormes do vovô Juca e da vovó Chica!!!Z

                                           Póst-scriptum!

            Oi Irmão, adorei ler sua lembrança sobre o Vovô Juca, como você, eu também não tenho nada a reclamar, muito pelo contrário, o Vovô sempre me tratou com muito carinho, ele era meu padrinho, estava sempre me presenteando com um dinheirinho para comprar uma fita para colocar no cabelo, ou mesmo para comprar um lápis para rabiscar os olhos. Ele dizia que "morena cor de jacú sem pena" dos olhos rabiscados era mais bonita. Um beijo, Kátia. 
 

Kennedy Pimenta