Consulta insólita
Hoje foi Dona Cacilda quem me fez sair do sério. Por mais que queira ser séria, sempre uma engraçadinha me força a fazer piadas. Deve ser para descontrair.
Principalmente as idosas vão no consultório esperando por uma boa gargalhada. A cada momento devo ter uma postura diferenciada e abro espaço para a informalidade.
A comédia e a tragédia sempre estiveram lado a lado. A sátira nada mais é que a reprodução de um fato sério ou constrangedor.
Por isso, lá no meu cantinho, faço o meu próprio mundo e encontro toda a experiência humana que me trazem, vestida com todos os artifícios que se possa imaginar.
Hoje Cacilda foi a personagem principal. Examinando-a eu percebi que ela tinha alguma coisa no reto, além de uma simples fissura. Seria necessário ser examinada por um proctologista. Aí, foi o começo de uma consulta realmente estranha, mas totalmente descontraída.
Como a conheço há um século, ela não tem o menor constrangimento comigo. Ela percebeu que se tratava de alguma coisa séria, mas não perdeu a esportiva nessa.
O diálogo foi mais ou menos assim:
- “Ah, doutora, já fui no procto e não tenho nada...”.
- “Há quanto tempo foi nele?”.
- “Uns trinta anos atrás. Nossa bunda muda tanto?...”.
- “Bem, depende do uso. A senhora está com vergonha do especialista? Posso indicar um bom e muito simpático”.
- “Sei não. Vai ser muito difícil, constrangedor...”.
- “O que é constrangedor? A posição?”.
- “Não é bem a posição, doutora. São os joelhos: eles não dobram pela artrose... Do resto, tudo bem”.
- “Mas, ele te cobre toda e te coloca de lado”.
- “Ah, de ladinho eu me lembro... Então, tá fechado. Pode marcar. Só uma coisinha: Ele é delicado?”.
- “Ao extremo! A gente nem sente que está sendo examinada. Ele conversa o tempo todo e nos distrai”.
- “A senhora já foi examinada por ele?!”.
- “Sim, a senhora pensa que médico não tem ânus ? Quem tem ânus tem problema...”.
- “Fala aí o ditado certo, menina... Como foi? Diz...”.
- “Ora, foi normal”.
- “Como foi?! Agora eu quero saber em detalhes”.
Vou ter que passar o diálogo travado nesta minha “experiência”:
Procto: “E aí, tudo bem?”.
Eu: “Tudo indo. Ui!”.
Procto: “O dia ta bonito. Olha lá fora”.
Eu: “É, mas não vira muito pra janela, não, que isso aí que você tá fazendo é meio seco...”.
Procto: “Teu consultório anda meio devagar? O meu tá devagar, quase parando”.
Eu: “A gente não pode querer que tudo seja rápido na vida - como esse exame aqui, por exemplo. Parece um caminho sem volta. Ai!!!”.
Procto: “Minha amiga, e esse governo, heim ? Quanta mamata...”.
Eu: “Pois é... Você pintou o teto? Ui!”.
Procto: “Fiz umas reformas, aqui e ali...”.
Eu: “É, mas não precisa apontar com esse dedo daí não, ok ? Ai!”.
Procto: “Esses caras corruptos do governo... Tô muito danado da vida.Tá todo mundo botando no nosso...”.
Eu: “AI!!!”
Leila Marinho Lage