Desvaneio

Queria saber (isso se há uma forma) de colocar no papel todo embaraço de sentimentos que explodem dentro de mim. Talvez se eu desenhasse conseguisse esboçar um pensamento repentino. Não dá, não sai nada.

Se eu respirar me falta o ar, se parar nada sinto. Um estado diferente do dos que já vivi. Espero que ele fique claro no final desta caminhada. Tudo que vejo e ouço parece falar de mim, tudo aponta para mim e todas as cores murmuram sobre mim. É o caos.

Sinto medo de dormir, quero que a noite se prolongue, e mesmo com as pálpebras lutando contra mim, lutando pelo direito de se fecharem, invado o máximo que posso pela madrugada adentro. Queria poder dormir o dia inteiro e só despertar na madruga onde todos dormem.

Estou em uma frustrada etapa da vida, diferente das ondas, apenas desço e não vejo subida. Os projetos encabulam-se quando me vêem. Os planos sempre propõem ajustes, o que demora ainda mais a sua execução. Em muitos momentos o melhor a fazer é desistir.

Nas madrugadas, isolo-me no meu pequeno mundo virtual, criando personagens e cenários perfeitos. Todos aplaudem, a grama é sempre verde e o sol não se põe. Mas a bateria acaba e o virtual torna-se real. Com o sol no topo do céu os aplausos se calam e a grama se seca. Só me resta esperar a noite chegar.

Certa vez vi um filme de um escritor fracasso que resolveu fazer de tudo para alcançar o sucesso. O tudo foi vender a sua alma. Não posso vender minha alma. Penso. Claro que não. Repenso. Seria a declaração de fracasso e apostasia. Só os loucos aceitariam. Mas posso vender meu cd de Bach ou minha prancha de surf feita no Hawaii.

O mercado de almas está em alta. Cada vez mais desvalorizadas por seus donos, tornam-se produto valioso no mercado paralelo. Não apenas para o grande vilão da humanidade, mas muitas vezes vendemos nossas almas para o trabalho, ou até, para nós mesmos, na ilusão de estarmos vivendo uma vida melhor.

Mas voltando para a minha madrugada, iniciou mais uma jornada fantasiosa e virtual. Não me declaro um escritor fracassado, afinal, não tenho nenhuma obra publica, por isso, como disse um personagem do mesmo filme que cito acima: “reservo-me ao título de eleitor no recolhimento doméstico”. Escritor é aquele que cria uma estória real, onde seu personagem fictício sente fome e sede, onde os beijos imaginários provocam frios na barriga. E eu apenas penso que escrevo.

Um conflito sadio que me adoece a cada instante, talvez não seja uma doença física, mas a pior, uma doença psicológica. O tic-tac ensurdecedor do relógio não me deixa esquecer que o tempo passa. Olho sobre o ombro e me vejo mais novo sonhando em ser mais velho e realizado. O tic-tac me avisa que a fronteira entre os dias se aproxima.... Mais um dia se passou.

Michel Leal
Enviado por Michel Leal em 27/05/2011
Reeditado em 19/02/2016
Código do texto: T2997114
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