MEU LIVRO
AO CONTRÁRIO DE NÓS.
Fosse você um barco
E eu um porto...
—Mesmo assim nunca nos encontraríamos.
Fosse você o vento
E eu a vela...
—Mesmo assim nunca nos encontraríamos.
Fosse você a mão
e eu os seios...
— Mesmo assim nunca nos encontraríamos.
Fosse você o braço
E eu o abraço...
— Mesmo assim nunca nos encontraríamos
Fosse você a faca
E eu a carne.
Fosse você a ira
E eu a paz.
Fosse você o alvo
E eu a bala...
Mesmo assim eu não desistiria.
NADA ANORMAL COMIGO.
Vinha eu
pensativo,
compenetrado,
perdido em minha existência.
Diriam os desavisados:
— Lá vai o desligado
Vinha eu na verdade
meditando o meu presente
enquanto pelo retrovisor
assistia passando rápido,
fluindo ao nada, o meu passado
que, por um quântico
instante, foi presente.
vinha eu
tão longe de mim.
Tão assim,
não sei assado,
que ousei,
compenetrado,
parar no sinal vermelho.
Desavisado,
olhava pela janela da vida
fluir o meu presente
pelo falso e enganador retrovisor,
parado no sinal vermelho.
Vinha longe de mim...
... quando voltei,
convocado à vida,
por freios bruscos, buzinaços
xingamentos, rostos feios e ofusco.
Há som no meu silêncio!
Há gestos indecentes!
Há medo!
Acelerei.
Fugi e gritei:
— Maldito o espelho que
Fez-me parar no sinal vermelho.
MEA - CULPA.
Os viadutos pontes e sarjetas
Ocupados
Por estranho moradores pingentes
Feito ratos feito gente
Se completam na paisagem,
servindo de teto
aos desafetos
da sociedade de proveta.
A educação da Cocaína e do chiclete
no sinal vermelho
tem cheiro de dedo em riste
tem gosto de cola cheirada
de bolsa de madame
de pão negado
de mais viadutos planejados.
de menos escolas
de mais prisão
de negociatas
de mais pontes.
( bem dita ponte)
— Quem planeja tantos tetos???
E nas vitrines games
do Shoping Barra
meu reflexo
de bandido
nega sua existência.
Leio no meu cobertor
a notícia atrasada que, ontem,
na rampa do Planalto,
encontraram meu corpo,
meio vivo meio Morto.
HIV POSITIVO.
A terceira lâmina
É aquela que faz tchan!!!
E virá com o HIV
na incompetência
do poder puto
Reclamando a cédula verde
em falsos diagnósticos
e prognósticos relapso
de rastros de ratos
na sala de rachar
os vinte por cento
do político
(in) competente.
Do médico impávido
pelo sexo no quarto
que lhes renderá
mais quinhentos partos,
enquanto que
na fila de morrer
o povo já defunto
parte de pé junto.
A terceira lâmina
É aquela que se vende
por punhado de notas
Como num conto de Neruda
- Que Deus nos acuda.
Pois, quem ver não pode crê
Na força do HIV
enquanto
Dia sim dia Z pã
toca sua flauta doce
no pênis de Morfeu.
A CHUVA
A chuva impede - me de sair...
A lama toma conta das ruas
Inundando o meu caminho
Mancha o meu branco linho
Enlameia a sola do meu sapato
A chuva derruba barreiras
Desmonta os barracos.
A Chuva Ilha também os bem localizados.
Acaba com a feira,
Enfileira problemas
na mesa do administrador,
Entedia o cantador,
inspira o poeta,
esvoaça o beija flor,
fecha em si a rosa,
desfolha as árvores.
Derruba os frutos maduros,
Lava as consciências,
Rouba-nos a paciência.
A chuva, a sua maneira,
renova a vida.
DE MARGARIDA ALVES A VIOLETA FORMIGA
Sepultaram as rosas.
Em covas rasas como de soldados
Pisotearam-nas como na guerra
Despetalaram - ás sobre a terra.
Rosas de todos os tipos
cores de todas as rosas
Deixaram os jardins sem suas cores,
Sem seus perfumes...
Chorou a tulipa pelas Margaridas
E eu pelas Violetas.
O tiro fez silenciosa a poesia
O tiro fez silenciosa a voz que agia.
O silencio se fez violento.
O silêncio convidou-nos para seus sepultamentos
As cores fúnebre da tarde
anunciaram que já era tarde
Jás mortas flores e rosas.
O mundo não mais ás verão...
Não em suas formas concretas...
Porém, elas viverão no abstrato
de quem luta e reclama.
Foi enterro discreto
como de poeta.
Foi em vala comum
como de posseiro
Foi enterro vazio
como de desconhecido
Foi fugaz nas lembranças
Logo foi esquecido.
MINHA LUZ.
A rua quase escura
Apenas um reflexos
de luz
fugido dos nossos olhos.
No céu a luz pálida
de uma estrela.
viajou bilhões
quilômetros
para nos ouvir.
Olhei pra você
Olhei para luz estelar
Olhei para luz da lâmpada
Calei quando deveria
ter falado
Apaguei!
MÁSCARAS.
A minha vida
É um corredor
Estreito e mau iluminado.
Seguindo em frente
Chega-se numa sala longa
de vidros e estilhaços
onde se encontravam expostas
Uma enorme quantidade de máscaras
Com as mais diferentes expressões:
Risos quando deveria ter chorado
Alegria no pranto
Indiferença aos fatos
— Quando usei tantas máscaras? Perguntei!
— Você encontra-se
na sala do seu inconsciente
Aqui expomos as máscaras
que usaste durante parte
da sua vida.
— Quem falou?
TODO O SAL
que veio de Mossoró
escorre no úmido suor
que se mistura em nossos copos
mortos.
E a força fugida das nossas
Massas se entranham em nossas entranhas
para revelar, em branco e preto,
numa perfeita radiografia, marcas de açoites
dos chicotes dos amantes noturnos,
toda a mentira que fomos nesta noite.
ALGO NOVO.
Se eu pudesse fingir,
dizer que não vi
como fazem os guardas
noturnos.
Se eu pudesse fugir
dos olhos da consciência
como fazem os loucos.
Se eu tivesse a paciência
dos que fingem contente
com os acontecimentos
como fazem os jornalistas
se eu não fizesse parte da lista!
Se eu não fosse cúmplice...
Se eu pensasse que
sou feliz
como pensam os carrascos.
se a guilhotina não falhasse
no pontilhado pescoço dos
inocente condenados a vida.
Se não fosse nova esta ferida
Se ao menos parasse de sangrar
para não sujar a toalha
da sua sala de jantar.