O vício da despedida

Sempre me despeço dos meus versos:

abandonados em gavetas ou juntados aos detritos.

(No sofá da sala, escuto um personagem em monólogo infinito:

uma cena improvável de um autor imaginário e controverso.)

Outra despedida: adeus minha garganta seca,

atiborrada de palavras guardadas e juras desfeitas.

(Uma densa solidão dança no recinto:

sou eu imaginando versos, glosa inesperada a um poeta amigo.)

Novo adeus por entre as rimas: vai-te embora, memória minha,

com todos os teus fantasmas, com todas as vidas não-vi-vidas

(A nuvem de gesso azul, ressêco, emoldura

meu poema impossível, como impossíveis me são as lágrimas

e até mesmo a liberdade tomada a grito.)

Por fim me despeço de mim mesmo,

desse meu estar no mundo sempre aflito.

Homem inacabado, de renovados desesperos,

de tudo me esqueço enquanto escrevo este poema:

tão falso e tão fingido que não deveria levar este nome.

Escrevê-lo é, antes de mais nada, um puro delito!