À DERIVA

Teve um poema que caiu no mar. Levado pelas ondas e achando-se seguro como numa garrafa, em sua ânsia de correr mundo ousou navegar para bem distante. À deriva, percorreu distâncias inimagináveis. Deixou-se ir pelas correntezas, dessas de levar consigo tudo que não tem destino certo. Isolou-se na imensidão das calmarias do oceano que singrou com vagar e persistência. Resignou-se. Aceitou com mansidão a inclemência do sol em seus dias infinitos e quietos. Encolheu-se no medo da escuridão das noites que o assombraram. Enfrentou com muda coragem as tempestades que o açoitaram. Até que, já não lhe restando qualquer esperança de um destino, aportou no cais solitário de um coração perdido no meio do nada de seu navegar. E então saiu de sua clausura para ser poema outra vez.