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A criança, inerme tal qual um arbusto jacente no relento, não mais sonha. Sensível ao afável sopro da noite, peleja contra a sua própria castidade a fim de não sucumbir à frialdade do silêncio noctívago. O ermo lhe escapa por todos os poros, e, no seu âmago, ela admite que é simplesmente uma personagem fabulosa, sem nome, sem história, sem alma, cuja substância perde-se em drenos para o indiferentismo de lufadas e da digressão lúdica de cantigas de ninar. O seu humor é líquido, e salta dos olhinhos lúridos. Insone, sem vela ou fiúza, ao pequeno só resta a frivolidade de um céu baldio que se estende diante da sua tenra e delgada miudeza.

Bendito horizonte. Lá, onde o céu parece se juntar com a terra, onde o mar parece tocar as nuvens, a criança parece alcançar as estrelas. Vislumbra o estereótipo do ser que universalmente representa, mas do qual não mais se nutre. Saltimbancos, línguas-de-sogra, petizes espevitados, sorrisos de chocolate. Fantasias de um benjamim, talvez. Porque, embora as saudáveis alegorias pueris requentem a chama de pouca idade, aqui a infância encontra-se estampada em um mausoléu, com todas as letras garrafais e coléricas.

Sangrando por ter espinhos nas mãos, a criança larga o seu tempo. A rosa do crepúsculo desabrocha, e é tão escarlate quanto as manchas esculpidas nos dedos dela. Dorida, a personagem sem nome é só um alguém. Devoluta, a personagem sem história é só uma mentira. Dissimulada, a personagem sem alma padece sem estro, como um menino que não consegue trilhar o velho e longo caminho para casa.

Angello
Enviado por Angello em 26/04/2007
Reeditado em 26/04/2007
Código do texto: T464593