"REFLEXÕESDE UM PALHAÇO"

Rosa Magaly Guimarães Lucas

- Eire

O mundo e a vida fizeram de mim

Um palhaço... Mostro-me sempre a rir...

Não importa o quanto o pranto me sufoque,

E o coração dilacerado esteja...

Aos que me vêem sou um arlequim,

Cuja euforia chega a me exaurir.

E em público jamais finda esse estoque...

Que o coração, minh’alma ninguém veja!

Só nos momentos em que estou sozinho

Deixo a tristeza meus olhos marear...

Libero um ricto amargo em minha boca,

E meu corpo se curva ante a impotência

De ser como pareço... um bastardinho...

E o picadeiro sempre a me esperar!

Quer alegria... Não vê a vida oca,

Que eu ali vivo, sob a violência...

O público só quer o Palhacinho!

Dou cambalhotas, gargalho, e rebolo,

Tropeço na cadeira e vou ao chão,

Pego um copo d’água... Mas só tem pó...

Reclamo e levo um pontapé na bunda!

Um cachorro de pano levo ao colo,

Feio, esquisito, é uma aberração,

Beijo-lhe e canto-lhe um terno rondó;

Igual a dele é minha vida imunda...

Na platéia as pessoas pulam, gritam,

Só alguns mais cônscios sentam-se calados,

Parecem que me entendem... E quem sabe

Também eles da vida são palhaços...

Têm olhos piedosos que me fitam

E uma expressão nos rostos torturados.

No peito uma esperança que se acabe

O sofrimento que os faz em bagaços.

Sinto-me então parte da humanidade,

Onde a pessoa a sua dor esconde,

Semdeixar transpassar a decepção

Co’a vida, com amigos e o parceiro...

Recomeço o meu show com mais vontade,

Abro minha mente e que a alegria estronde,

Sou um palhaço e desconheço a traição

Que um dia me foi feita por aquela

Mulher, a quem me dei inteiramente,

E ela a zombar, a se rir me deixou,

Enlouquecida por um trapezista...

Outro dia eu a vi sobre uma sela

A sorrir e a cantar, mas claramente

Pude notar o quanto se acabou...

(Aos 17 anos, em Fevereiro de 1947)

Eire
Enviado por Eire em 07/05/2007
Código do texto: T478206