O AUTO DA SIBILA CASSANDRA

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Estudos Literários

 

Miguel de Cervantes construiu um enorme edifício literário, mas sua glória inteira está apenas na parte mais alta deste edifício: D. Quixote. O resto está mergulhado no esquecimento. Gil Vicente, o maior nome do teatro lusitano, escreveu quarenta e dois textos teatrais que levou ao palco em trinta e quatro anos de carreira. A maioria de suas peças caiu no esquecimento, algumas alcançaram notoriedade, mas, certamente, toda a sua glória está em o Auto da Barca do Inferno (1517). Dentre as menos conhecidas está a sua nona peça: o Auto de Sibila Cassandra, certamente por ter sido escrita em espanhol. Consta que pelo menos onze de suas peças foram escritas em espanhol.

A partir da tradução feita para o português, Sibila Cassandra, ganhou importância como uma surpreendente obra, que mistura personagens bíblicos e da mitologia grega, o que lhe dá um aspecto de modernidade.

O que tem despertado a atenção em Sibila Cassandra, é a maneira como Gil Vicente explora, de modo original, o limiar de um dos mais tradicionais gêneros do teatro português e espanhol: o Auto Natalino.

 A peça foi representada no natal de 1513, na capela do Mosteiro de Xabregas, em Lisboa, perante a Corte e as freiras convento. O intuito era comemorar o dia do nascimento de Jesus e ao mesmo tempo divertir o público, no início dos rituais carnavalescos das liberdades de dezembro. A partir do Natal até o dia dos Reis, acontecia o chamado ciclo do inverno ou ciclo dos doze dias, período em que tudo é permitido. Tinha como característica comum, bailes, desfiles, festejos ou folguedos populares, provenientes de ritos e costumes pagãos e se caracterizava pela liberdade de expressão e movimento, permitindo ao carnavalesco, a liberação das restrições da vida cotidiana. Era o mesmo que colocar o mundo de ponta cabeça.

Aproveitando o início desse período, ou seja, o Natal, Gil Vicente desejou realçar de maneira muito forte a virgindade da Maria e trazer à tona a discussão de temas como a condição da mulher. Como nesse período era costume os ritos e costumes pagãos, Gil Vicente resgata da mitologia grega a personagem Cassandra, profetisa (sibila), que se diz grávida de Jesus. Sibila Cassandra é a anti-Maria.

Na mitologia grega, Cassandra arrastava uma maldição: ninguém punha fé em suas profecias. Os troianos, por exemplo, não lhe deram ouvidos quando ela lhes advertiu sobre o cavalo de Tróia. Mas, a Cassandra de Gil, repele energicamente as investidas do rei Salomão (entra aí o personagem bíblico), interessado em desposá-la. Salomão convoca outras três sibilas e, ainda, Isaías, Moisés e Abraão, para tentar dobrá-la. Mas Cassandra não se rende e, por fim, revela porque não aceita se casar: acredita que será a Virgem escolhida por Deus para dar à luz o Messias. Porém, desta vez, a profecia está, evidentemente, errada. Em fim, ela abandona sua postura de anti-Maria e passa a venerar a mãe de Jesus.

No transcorrer da peça Gil Vicente não perde a oportunidade de pôr em cheque as convenções morais e estéticas dos rituais carnavalescos das liberdades de dezembro. Os recursos estruturais com que Gil Vicente armou o Auto Sibila Cassandra é que lhe dão o tom de atualidade. ®Sérgio.

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Fonte: http://www.cosacnaify.com.br/releases/sibila_cassandra.pdf.

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