O MANIFESTO FUTURISTA

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Estudos Literários

 

O Futurismo surgiu na Itália com o primeiro manifesto do movimento publicado no jornal parisiense Le Figaro em 20 de fevereiro de 1909, assinado pelo escritor Filippo Tommaso Marinetti (1876-1944). Consistia em 11 itens que proclamavam a ruptura com o passado e a identificação do homem com o novo século. Resumidamente, temos:

O Manifesto Futurista¹

Nós estivemos toda a noite em vigília - meus amigos e eu- sob as lâmpadas de mesquita com cúpulas de cobre tão esburacadas, como nossas almas, entretanto tínhamos o coração elétrico. Pisando, desleixadamente, opulentos tapetes persas, discutimos diante dos limites extremos da lógica, e enegrecemos muito papel com escritos frenéticos.

Um orgulho imenso enchia nossos peitos ao nos sentirmos os únicos, naquela hora, despertos e vigilantes, como faróis soberbos ou como sentinelas avançadas, diante do exército de estrelas inimigas, que olhavam furtivas de seus acampamentos celestes. A sós com os foguistas das infernais caldeiras dos grandes navios, a sós com os negros fantasmas que se mexem e remexem no ventre incandescente das locomotivas desvairadas, a sós com os bêbados que batem as asas contra os muros da cidade. Sobressaltamo-nos, de repente, ao ouvir o rumor formidável dos enormes bondes de dois andares, que passam chacoalhando, resplandecentes de luzes multicores, como aldeias em festa.

Então, nós, contundidos e de braços enfaixados, mas impávidos, ditamos nossas primeiras vontades a todos os homens vivos da terra:

1. Nós queremos cantar o amor ao perigo, o hábito da energia e da temeridade.

2. A coragem, a audácia, a rebelião serão elementos essenciais de nossa poesia.

3. A literatura exaltou até hoje a imobilidade pensativa, o êxtase, o sono. Nós queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, o passo de corrida, o salto mortal, o bofetão e o soco.

4. Nós afirmamos que a magnificência do mundo enriqueceu-se de uma beleza nova: a beleza da velocidade. Um automóvel rugidor que corre sobre a metralha, é mais bonito que a Vitória de Samotrácia.

5. Nós queremos entoar hinos ao homem que segura o volante.

6. É preciso que o poeta esbanje com ardor e grandeza, para aumentar o entusiástico fervor dos elementos primordiais.

7. Não há mais beleza, a não ser na luta. Nenhuma obra que não tenha um caráter agressivo pode ser uma obra-prima. A poesia deve ser concebida como um violento assalto contra as forças desconhecidas, para obrigá-las a prostrar-se diante do homem.

8. Nós estamos no extremo dos séculos!... Por que haveríamos de olhar para trás, se queremos arrombar as misteriosas portas do Impossível? O Tempo e o Espaço morreram ontem. Nós já estamos vivendo no absoluto, pois já criamos a eterna velocidade onipresente.

9. Nós queremos glorificar a guerra - única higiene do mundo - o militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos libertários, as belas ideias pelas quais se morre e o desprezo pela mulher.

10. Nós queremos destruir os museus, as bibliotecas, as academia de toda natureza, e combater o moralismo, o feminismo e toda vileza oportunista e utilitária.

11. Nós cantaremos as grandes multidões agitadas pelo trabalho, pelo prazer ou pelas revoluções nas capitais modernas; cantaremos o vibrante fervor noturno dos arsenais e dos estaleiros incendiados por violentas luas elétricas; as estações esganadas, devoradoras de serpentes que fumam; as oficinas penduradas às nuvens pelos fios contorcidos de suas fumaças; as pontes, semelhantes a ginastas gigantes que cavalgam os rios, as locomotivas de largo peito, que pateiam sobre os trilhos, como enormes cavalos de aço; e o voo rasante dos aviões, cuja hélice agita-se ao vento, como uma bandeira.

É da Itália, que nós lançamos pelo mundo este nosso manifesto de violência arrebatadora e incendiária, com o qual fundamos hoje o "Futurismo", porque queremos libertar este país de sua fétida gangrena de professores, de arqueólogos, de cicerones e de antiquários.

Já é tempo de a Itália deixar de ser um mercado de objetos velhos e usados. Queremos libertá-la dos inúmeros museus - cemitérios que a cobrem.

Museus: cemitérios!... Dormitórios públicos onde descansam para sempre e, lado a lado, seres odiados ou desconhecidos! Museus: matadouros de pintores e escultores, que se trucidam ferozmente a golpes de cores e linhas, ao longo das paredes! Que os visitemos, em peregrinação, uma vez por ano, como se visita um cemitério no dia de finados, aceito... Que uma vez por ano se ponha uma coroa de flores diante da Gioconda, concedo... Mas não admito que passeiem, diariamente, pelos museus, nossas tristezas, nossa frágil coragem, nossa inquietude doentia e mórbida. Para que se envenenar? Para que apodrecer?

E o que se pode ver num velho quadro, senão a fatigante contorção do artista que se esforçou para infringir as insuperáveis barreiras opostas ao desejo de exprimir inteiramente seu sonho?... Admirar um quadro antigo equivale a entornar nossa sensibilidade numa funerária, em vez de projetá-la, em violentos jatos de criação e de ação.

Ateiem fogo às estantes das bibliotecas!... Desviem o curso dos canais, para inundar os museus!... Oh! a alegria de ver flutuar à deriva, rasgadas e desbotadas sobre aquelas águas, as velhas telas gloriosas!... Empunhem as picaretas, os machados, os martelos e destruam sem piedade as cidades veneradas! ®Sérgio.

Tópico Relacionado: Manifesto Técnico Da Literatura Futurista.

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1- Texto baseado na obra de TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda Européia e Modernismo Brasileiro. Petrópolis, Vozes, 1997. E no original italiano (tradução Google): F. T. Marinetti, Teoria e Invenzione Futurista, Verona, Mondadori, 1968.

Agradeço a leitura e, antecipadamente, qualquer comentário.

Se você encontrar omissões e/ou erros (inclusive de português), relate-me.

Ricardo Sérgio
Enviado por Ricardo Sérgio em 20/01/2011
Reeditado em 20/01/2011
Código do texto: T2740958