O SEGREDO DO ABADE 04

«A velhinha centenária»

Ou

“O Baú do Segredo”

Olha a Ti Mariana! Como vai?

Este sol faz-lhe muito mal,

O chapéu sempre lhe descai

E está um calor infernal…

Ah! A mim nada me dá guerra,

Infernal tem sido minha vida

Aqui nesta malvada terra

Onde de todos sou esquecida!

Não, Ti Mariana, tem boa gente,

Gente amiga a cuidar de si,

Tem boa saúde, não ´stá contente?

- Tão reles gente nunca eu vi!…

Não diga isso que Deus castiga…

- Oh, já me castigou e bem!

- Tia Milinha é tão sua amiga

E o Tio trata-a como ninguém!

- O que eu mais quero é o sol

E que ninguém m´ incomode,

Aqui oiço cantar o rouxinol,

E cada qual faz o que pode…

- Olha o Chico! Já chegaste?

Vieste a tempo do almoço,

A Mariana não é bom traste

E gosta d´ arranjar alvoroço…

- Vais estar por cá a tarde toda?

- Sim, tio, depois do pego é que vou.

Eu, a andar, estou na moda…

Em cerca duma hora já lá estou.

- Olha que de lá até à Lamela

Ainda é uma bela canseira…

Quando eu usava a farpela

Ia muitas vezes até à Beira.

Eu e Birinha… Sabes que me dói!

Dávamo-nos como Deus co´ os anjos,

Por isso é qu´ ela para Lá foi

E nós, por aqui, aos arranjos…

Já agora, a seguir à refeição

Vais-me ajudar, ou não fosses tu,

A fazer uma arrumação

Ali no nosso velho baú.

- Deixa a Ti Mariana a comer,

Ela o que quer é ter o prato

E até para a ajudar a lamber

Daqui a pouco vem cá o gato!

- Ti Mariana, até daqui a pouco,

Se precisar d´ alguma coisa

Chame, qu´ a gente vem cá logo

Para darmos uma prosa.

- Mila, põe mais um prato na mesa…

- Olá Chiquito, bons olhos o vejam!

- Olá tia, gratos pela vossa delicadeza

E pelo acolhimento. Bem hajam!

Aqui, na Lamela, é um céu aberto,

E eu gosto muito de cá vir…

- Gosta de arroz de polvo, certo?

É o que hoje vamos servir.

Obrigado, tia, eu gosto de tudo.

Fui p´ la minha mamã, habituado

Sempre a obedecer, sobretudo

Quando a oferta é de bom grado…

……….

(Terminada a gostosa refeição

Fomos para a sala, com gana

Para tratar da arrumação

Do Baú da Ti Mariana.)

- Antes, ó Chico, quero-te mostrar:

Esta, foi a mauser da minha guerra

Que eles me obrigaram a usar

Contra os Boches e… não emperra.

- Vamos à varanda. É um pouco pesada…

Vou-te mostrar como se faz:

Põe-se no ombro bem encostada,

E … Meu tio apontou e… zás, zás!

(Assustei-me. Duas balas bateram

Nas pedras da eira e, tão certeiro,

Dois gatos que passavam se desfizeram,

Indo-se alojar nas portas do celeiro…)

- Estás a ver? Aqueles dois Boches

Só chateavam a Ti Mariana,

Roubando-lhe a comida e os bolos,

Qualquer deles, um grande sacana!

- Bom, ao Baú vamos agora!

De Mariana está lá sempre o dedo,

Ela mexe, remexe, a toda a hora

Como que procurando um segredo.

- Põe tudo pra fora com cuidado.

Estás a ver? Cartas e fotografias,

Postais e um quadro encaixilhado.

Farrapos velhos, fantasias…

Espera lá! No velho quadro, um abade,

Com um manuscrito a dizer “José”…

O prior de Serzedelo, quem sabe?

Cartas e postais, apontam qu´ é.

Cá está, este é o Baú do segredo,

E é quase da mesma idade

Da Ti Mariana, sem arremedo:

É o SEGREDO DO ABADE!

Frassino Machado

In TROVAS DO QUOTIDIANO

FRASSINO MACHADO
Enviado por FRASSINO MACHADO em 01/06/2020
Reeditado em 02/06/2020
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