A MALDIÇÃO DA TERCEIRA PONTE 
PARTE FINAL
 
     Eurico Gasparini, o engenheiro civil que planejara gozar sua aposentadoria entre passeios em um carro de luxo e tour pela Europa, acabou fugindo para Belo Horizonte.
 
Chegara a pensar em suicídio. Mas por ironia do destino, o melhor lugar para se suicidar em Vitória seria se atirando da Terceira Ponte, a mesma que ele fora engenheiro e que por causa do soterramento de nove operários no trigésimo primeiro pilar, estava sendo perseguido pela maldição.
 
Não fugira da polícia, nem de agiotas. Fugira de si mesmo. Estava fugindo do que ele já intitulara como A Maldição da Terceira Ponte. De sua casa, em Bento Ferreira, toda manhã, ele se deparava com a ponte sobre a entrada da baía. Imponente e tenebrosa para ele.
 
Pensava Eurico que a maldição estaria restrita a uma localização geográfica.
Em Belo Horizonte, procurou um profissional de renome na área de psicologia.
 
Doutora Laura Cambélia, professora titular de psicologia na Universidade Federal foi encontrada por ele. Eurico lera um livro de sua autoria, Psicologia e Peso de Consciência. Imaginara que era o que precisava. Estava pagando caro, mas precisava fazer uma varredura em sua memória.
 
Começara as sessões. Na segunda sessão, já estava mais solto. A deixa para superar o seu transtorno estava dada.
 
Era uma manhã preguiçosa de setembro, quando ele adentrou no consultório para a terceira sessão. Esticara-se todo no divã. Doutora Laura Cambélia, com doutorados nos Estados Unidos e na Alemanha, falava calmamente em seu traje bege. A paz do consultório acabou nocauteando o paciente que adormecera por alguns segundos.
 
Quando acordou, ouviu uma voz destoante da voz da doutora. Uma voz arroucada, voz de peão de obra. Olhou assustado para a cadeira e lá estava ele, o mulato de lábios avantajados, olhos brancos emoldurados de sangue. A mesma roupa de sempre e o capacete da companhia co-nhecida de Eurico.
 
— Doutor, o senhor tem que nos salvar.
 
— Pelo amor de Deus, o que vocês querem que eu faça para vocês me deixarem em paz.
— Aqui está sua missão.
 
O mulato tirou do bolso da camisa grossa um pedaço de papel de saco de cimento, com algumas palavras escritas com caneta esferográfica, e entregou para Eurico.
 
Ele pegou o papel da mão do operário e saiu do consultório correndo. Depois ficou sabendo que a doutora havia sido encontrada desmaiada após a sua fuga.
No final da semana seguinte, Eulália, a dedicada esposa, tinha um compromisso em Vitória. Uma de suas melhores amigas lançaria um livro de poesias e ela não poderia faltar.

 
Iria de avião. Momento oportuno para Eurico Gasparini cumprir a sua missão e ficar livre de vez da maldição.
 
Assim que deixara Eulália no Aeroporto de Confins, pegou a estrada para Vitória. Viajara quase a noite toda pela BR-262. Ele não iria para casa. Eulália nem ficaria sabendo que ele estivera na capital capixaba no mesmo final de se-mana que ela.
 
Com um amigo, dono de construtora, disse que o empréstimo do iate era para passar o final de semana com a esposa.
 
Pela manhã, pegou o iate bem abastecido. Carregou o que pode de combustível de toda espécie, e dirigiu-se rumo à terceira ponte. Mas ele não morreria. Apesar de quase estar à beira da loucura, não tinha vocação para suicídio como os terroristas do Onze de Setembro. As motivações também eram distintas. Apenas o modus operandi seria o mesmo. Um impacto seguido de explosões no trigésimo primeiro pilar, elevaria a temperatura a ponto de dilatar a ferragem, fazendo ruir toda estrutura central da construção, como aconteceu nas duas torres do World Trade Center.
 
Ele saltaria antes do impacto. Tinha fôlego largo e mer-gulharia bem fundo para fugir da alta temperatura. Assim fizera. Colocou o iate no piloto automático bem direcionado no pilar central e a alguns metros da ponte mergulhou. Sentiu o tremor na baía e a temperatura da água aumentar com a forte explosão. Eram nove horas e três minutos da manhã, conforme estava escrito no papel de cimento entregue pelo mulato. Missão cumprida.
 
O céu de Vitória se fechou, uma nuvem escura dava a aparência de nove operários de construção civil, uniformiza-dos e com capacetes. Qualquer criancinha que olhasse para cima distinguiria a figura formada pela nuvem. De repente, um estrondo ensurdecedor, e toda a população da região metropolitana da capital capixaba voltou sua atenção para o fenômeno estranho. Como que trovoada, uma voz rouca disse:
 
Obrigado Doutor, estamos salvos. - Seguiu-se uma saraivada de risadas.
De volta à superfície, apenas a cabeça para fora. Eurico tocara em algo como um pedaço de corpo humano. Abrira os olhos após limpa-los com a mão. A uma distância de meio metro dos seus olhos, uma cabeça de mulher estava boiando sobre a mancha vermelha de sangue. Uma cabeça que ele conhecia bem. A cabeça de Eulália, sua esposa.
 
Pegou a cabeça pelos ralos cabelos castanhos, olhou de relance para a ponte. A sua maior obra e a maior do estado do Espírito Santo, destruída pelas suas próprias mãos, o canal da baía cheio de sangue, pedaços de gente e peças de automóveis.
 
Mais algumas braçadas e chegou ao carro que tinha deixado estacionado na Rua Kléber José de Andrade, na Ilha do Boi. Colocou a cabeça da mulher dentro de um saco de lixo que encontrou pelo caminho. Uma olhada para trás. Os helicópteros de resgate já se aproximavam do local.
 
A Terceira Ponte fora reconstruída em oito anos. E ele, há dez anos, está internado na Casa de Repouso Santa Isa-bel, em Cachoeiro do Itapemirim, depois de ser julgado e condenado pelos desastres ocorrido naquela manhã, pelas noventa e três mortes, inclusive a de sua própria esposa, que coincidentemente, passava na ponte no momento da explo-são, mas se safara da cadeia por ter sido considerado louco.
 
Eurico Gasparini carrega constantemente um sorriso irônico no rosto e não dá mais solução de nada. Sente-se contente onde está, onde alguém toma conta dos seus anti-depressivos e ele guarda dentro de uma caixa, intocável, algo que somente ele sabe o que é.






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Cláudio Antonio Mendes
Enviado por Cláudio Antonio Mendes em 14/01/2016
Reeditado em 10/07/2020
Código do texto: T5511195
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