CARTAS AO LEO

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Lagoa da Cruz, 20 de junho de 2008

Você tocou em mais um ponto dos quais aqui se conversa muito: a encomendação das almas.

Os moradores de muitos vilarejos daqui costumam a realizar as práticas de encomendação no mês de novembro (mês das almas) especialmente no dia de finados, e não na quaresma; embora, já tenha ouvido que em outros lugares de nosso Brasil é realizada na quaresma.

Acontece, assim: no dia de finados, entre onze horas e meia-noite, sai à procissão noturna em rogo das almas do purgatório. É composta por grupos de homens e mulheres, todos vestindo túnicas brancas que cobrem até a cabeça. Uns levam lanternas, outros um berra-boi (um cordão com peso na ponta, e que é girado rápido, provocando forte zumbido) ou a matraca, mas todos de rosários nas mãos.

 O desfile, que é guiado por uma grande cruz, tem o objetivo de fazer orações para as almas sofredoras ou para os que morreram de acidentes.

Cantam ladainhas e rogatórias extensas, que tem por princípio os versos abaixo:

Alerta, alerta pecadores!

Acordai quem está dormindo;

Veja que o sono é irmão da morte

E a cama é a sepultura!

Rezando rosários, a procissão detém-se ao pé do cruzeiro, para as orações, em voz alta. Em algumas encomendações era permitida a flagelação penitencial, que acabam sempre em graves ferimentos, deixando os penitentes em tratamento por vários dias.

Há outras atividades ao pé do cruzeiro, mas, me é desconhecida, pois, revestem-se do maior mistério, e é expressamente proibido alguém ver a encomendação das almas.

Nas ruas atravessadas pela procissão, as residências devem estar hermeticamente fechadas e de luzes apagadas. Qualquer janela que se entreabrisse é alvejada, furiosamente, por uma saraivada de pedras.

 Diz-se que o curioso que conseguir olhar a procissão, verá apenas um rebanho de ovelhas brancas, conduzido por um frade sem cabeça.

Além disso, as lamentações assombrosas da encomendação deixam, quem as ouve, tremendo de medo; os sinistros batidos das matracas e os gemidos dos flagelantes assustam mais ainda.

Desista, portanto Leo, da ideia, que me disse ter, de assistir a uma encomendação. Procure outra coisa para se distrair.

 

Do velho amigo

Ricardo Sérgio.

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Agradeço a leitura e, antecipadamente, qualquercomentário.

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